
1 - Professor, durante a apresentação da sua palestra no 11º Celacom, o senhor foi muito especifico no que diz respeito a teóricos como Paulo Freire e Luiz Beltrão. Freire limitando a comunicação interpessoal e Beltrão focado para a comunicação mais massiva. Porém ambos analisando a comunicação de maneira horizontal. Como o senhor vê a contribuição desses pensadores para a comunicação atual?
Acho que ambos os pensadores possuem enorme importância para o pensamento comunicacional brasileiro. Beltrão foi capaz de trazer uma teoria internacional para uma realidade que não é apenas brasileira quanto pode ser útil em todas as sociedades em que a distância entre classes sociais se verifica. Assim, o pensamento folkcomunicacional foi capaz de entender um processo que, originalmente pensado “entre semelhantes”, pode nos auxiliar a compreender como uma sociedade de “dissemelhantes” se organiza e se torna dinâmica. No caso de Paulo Freire, sua teoria é de uma aplicabilidade prática admirável, de sorte que ambos se complementam, e não por um acaso: oriundos da mesma geografia e da mesma realidade cultural, dos mesmos problemas e enfrentando os mesmos desafios, evidenciam coerência e se complementam entre si.
2 - De que forma o senhor acredita que há o cruzamento entre Teoria do Jornalismo e Teoria da Comunicação?
A teoria do jornalismo é um campo que estuda as práticas e as técnicas do jornalismo, bem como suas aplicabilidades, limites e desafios. Falo em jornalismo genericamente, embora precisemos, depois, distinguir entre o jornalismo tal como se pratica na imprensa, no rádio, na televisão ou na internet. Mas há uma essência semelhante, que envolve a continuidade da informação, a busca e seleção de fontes, a periodicidade, e, sobretudo, o respeito ao receptor, que se traduz através da objetividade ou de outros tantos conceitos que marcam a necessidade de se resguardar o direito á informação do receptor através de narrativas múltiplas, com diferentes pontos de vista, que permitam ao receptor distinguir claramente quando recebe informação e quando recebe opinião, ou entender que há diferentes pontos de vista ou, ainda, que muitos dos acontecimentos não mencionados, nem por isso deixam de existir. Ou seja, o jornalismo precisa ter a humildade e a responsabilidade suficientes para reconhecer que suas narrativas são apenas parte de uma realidade muito mais ampla e complexa.
3 - Em uma entrevista o senhor definiu Jornalismo como - Técnica e Ciência. Por quê? Existe alguma forma de atuar no jornalismo sem uma dessas vertentes?
Técnica enquanto competências transmissíveis, princípios, práticas e procedimentos que podem ser reproduzidos de uma para outra pessoa. Ciência, enquanto o jornalismo é uma forma de conhecimento, ainda que uma forma específica de conhecimento, conforme tem longamente explanado, por exemplo, o prof. Eduardo Meditsch. Um conhecimento que se dá em torno de realidades que se encontram em desenvolvimento e que, portanto, é necessariamente relativo.
4-Em um jornalismo em que termos como a Teoria do Espelho, da objetividade, da imparcialidade, neutralidade estão quebradas, e no lugar, na grade televisiva é visto pouco espaço destinado ao jornalismo, e muito para o entretenimento. Como o senhor analisa o espaço que é dado ao jornalismo no Brasil hoje, e que futuro o senhor vê para o jornalismo, em que a maioria dos seus princípios estão um tanto utópicos.
Discordo de que a grade televisiva dá pouco espaço ao jornalismo. Acho que o jornalismo vem crescendo na grade televisiva como nunca. Ele é caro em sua produção, mas ele garante audiências. O que ocorre é o conceito de jornalismo aí aplicado. A televisão é um veículo essencialmente destinado ao divertimento ou entretenimento. Assim, o jornalismo, feliz ou infelizmente, precisa ser adaptado a essa mesma perspectiva. Daí a ênfase sobre a narratividade dramatizada, por exemplo, sobre as questões de emoções humanas, etc. mas há o jornalismo de serviços, ampliaram-se os programas de grandes reportagens, há canais especificamente voltados para isso... Quanto ao futuro, e sem querer fazer exercício de futurologia, é simples. O homem se caracteriza pela curiosidade. A pergunta “o quê” vai continuar sempre presente em nossas cabeças. E o jornalismo, por conseqüência, que é a prática de responder a tal indagação, continuará tendo o seu espaço garantido. Se a informação, como queriam os integrantes da Escola de Chicago, é a matéria-prima da sociedade humana, sem a qual a sociedade em si inexiste e não funciona, o jornalismo também é a matéria prima da sociedade, e ainda que diferindo em suas formas, vai continuar sendo um dos pilares de todos os processos comunicacionais. Cabe ao cidadão, contudo, exigir um processo informacional cada vez mais democrático, aberto, amplo e com diferentes pontos de vista. Mas não esqueçamos o que diz Lippmann: a própria competição se encarrega de melhorar tais processos. Observe que, durante a ditadura pós-68, foi a Manchete, um canal se maior expressão, que garantiu o melhor jornalismo até como alternativa para alguns pontos de IBOPE diante da pasmaceira da Globo. E aqui em Porto Alegre, um jornal como o Jornal do Comércio faz, no conjunto, o melhor jornalismo da cidade, arte porque os empresários que o assinam precisam dessas informações para as suas decisões. Ou seja, a informação é fundamental para a sociedade e, com isso, sempre haverá espaço para o bom jornalismo (ou melhor para o jornalismo, sem qualquer adjetivo) e para os veículos que o promovam em seus espaços.